18 Agosto 2023
“O extrativismo opera simplificando as economias nacionais, anulando uma possível diversificação industrial, tornando-as mais dependentes da importação de bens e até de alimentos. Isso faz com que necessitem cada vez mais do extrativismo para se manterem financeiramente viáveis. O extrativismo é viciante”. A reflexão de Eduardo Gudynas, pesquisador do Centro Latino-Americano de Ecologia Social – CLAES, em artigo publicado por Rebelión, 17-08-2023. A tradução é do Cepat.
Às vésperas das eleições no Equador, neste domingo, 20 de agosto, a ninguém pode passar despercebido o fato de que a espiral de violência recebe todas as atenções. Os assassinatos de vários políticos, incluindo um candidato à presidência, chocaram o país. Também não pode surpreender a ninguém que se aproveita esta situação dramática para insistir que a consulta sobre deixar inexplorado o petróleo da Amazônia Yasuní seria uma questão secundária diante da grave insegurança que se vive (1). As urgências do país seriam outras e não é hora de se discutir, ou mesmo pensar, se vale a pena preservar uma área de floresta amazônica; é no que alguns insistem.
Isto é, em grande medida, compreensível. Uma pesquisa nacional recente constatou que 27% das respostas indicaram que o principal problema do país era a insegurança e a violência, seguido pela corrupção (21%) e outros problemas, ao passo que apenas 2% indicaram a degradação ambiental.
Diante dessa postura, é preciso insistir, mais uma vez, que é de extrema importância votar pela preservação do petróleo bruto no subsolo para garantir a sobrevivência dos humanos, das plantas e dos animais que estão acima desse solo. Não só isso, mas aqueles que colocam suas demandas pelo fim da violência nas ruas como seu primeiro problema devem ter em mente que esse problema está intimamente relacionado ao destino do extrativismo do petróleo.
É possível que para muitos isso não seja de fácil compreensão porque o impacto dos recentes assassinatos políticos se soma aos slogans que insistem em que a extração do petróleo amazônico resolveria os problemas do Equador, inclusive reduziria a pobreza, e com isso se supõe que desapareceria a violência atual. Desta forma, os defensores do uso do petróleo apelam para lançar a ideia de que mais petróleo levaria a menos violência.
Esse encadeamento de ideias está muito equivocado. De fato, insistir na “petrolização” de um país torna-se um dos fatores que alimentam a pobreza e ao mesmo tempo a violência.
Ao contrário dos slogans e propagandas convencionais, a exploração do petróleo e o extrativismo mineral acentuam a primarização das economias nacionais e a dependência da exportação de matérias-primas. As visões convencionais de empresários, políticos e acadêmicos as justificam com a promessa de que gerarão recursos financeiros que permitirão uma "retomada" do desenvolvimento nacional. A partir dessas ideias básicas, em alguns casos são aplicadas a agentes econômicos privados e transnacionais (como faz o governo Lasso) ou com maior presença estatal (como tentaram os governos Correa com os hidrocarbonetos). Mas, além das diferenças de como organizar cada setor, persiste a dependência da exportação de matérias-primas, essas retomadas imaginárias nunca aconteceram. As áreas de exploração ainda estão mergulhadas em pobreza e impactos ambientais.
Isso é do conhecimento de todos, porque há anos que se prometem paraísos a cada ciclo seguinte de exploração da natureza, seja cacau ou banana no passado, seja petróleo bruto ou ouro hoje, mas na realidade nunca se concretizaram.
É que o extrativismo opera no sentido contrário, simplificando as economias nacionais, anulando uma possível diversificação industrial, tornando-as mais dependentes da importação de bens e até de alimentos. Isso faz com que necessitem cada vez mais do extrativismo para se manterem financeiramente viáveis. O extrativismo é viciante.
A evidência está diante dos olhos de todos os equatorianos, já que agora se soma o flagelo da mineração de ouro de aluvião. Os velhos extrativismos atraíram este novo, ainda mais intenso, paradoxalmente ancorado na pobreza e muito violento. Essa mineração se aproveita de quem não consegue encontrar trabalho ou opções de educação, e se expande apoiada em redes de contrabando, tráfico de suprimentos, intercalada com outras práticas ilegais, e se protege apelando para a corrupção e a violência.
Um olhar sobre os vizinhos sul-americanos mostra que os países petrolíferos não resolveram os problemas da violência. O Índice Global da Paz, em sua avaliação de 2022, mostra que entre as nações sul-americanas, os piores indicadores são encontrados na Venezuela, Colômbia e Brasil, todos países extrativistas em geral, e com fortes setores petrolíferos. Outros países petroleiros, como a Bolívia, seguem com indicadores “amarelos” e, ao seu lado, o Equador (2).
Portanto, votar para continuar explorando petróleo significaria alimentar processos que, a seu modo, replicam as condições de pobreza e desigualdade e, com isso, reforçam a violência.
Os efeitos negativos da exploração de petróleo no Equador foram documentados muitas vezes, e uma proporção muito significativa da população está ciente deles. Assim, em uma pesquisa de opinião muito recente, verificou-se que pouco mais de um terço dos consultados indicou que a atividade petrolífera no Equador rendeu poucos ou nenhum benefício (chegando a 43% na Amazônia) (3). É ainda mais expressivo que 80% entendam que esta atividade afeta a natureza (63% respondem que este impacto é “muito” grande); apenas 10% entendem que suas consequências são poucas ou nulas. Esses indicadores são reveladores porque mostram que a população entendeu que discursos como o do correísmo de que é possível “petrolizar” sem impactos ou com efeitos minúsculos não têm fundamento. Também está clara a responsabilidade das empresas (isso é apontado por quase 40% dos entrevistados).
Mais da metade dos entrevistados sabe da consulta sobre exploração de petróleo no Yasuní. 35% votariam a favor de deixá-lo no subsolo, acima dos 25% que preferem explorá-lo. Estas respostas são auspiciosas tendo em vista a próxima eleição, embora a proporção de indecisos, ainda que tenha caído a favor do Sim, continue alta (24,5%).
Ao mesmo tempo, em relação à consulta que será realizada apenas em Pichincha sobre a exploração mineral no Chocó andino, 60% indicam que votarão pela proibição. Mais um indício de que se deseja deixar o extrativismo para trás.
Será possível refutar que a violência se deve a vários fatores, de tipos muito diversos, e não necessariamente associados à produção de petróleo. Isso é verdade. Mas o que não se pode ignorar é que o tipo de economia que esse extrativismo sustenta gera múltiplos fatores que, cada um a seu modo, contribuem para a violência.
Isso faz com que a preocupação com a insegurança e a criminalidade no Equador signifique redobrar a atenção e o compromisso em favor de manter o petróleo no subsolo. Isso implica, claro, proteger a riqueza humana e ecológica do Yasuní, mas também serve para deter a violência. Votar no Sim ao Yasuní é também votar no Sim para pacificar o país.
1. Dejar el petróleo bajo Tierra: Yasuní como ejemplo y como aprendizaje en transiciones postextractivistas, E. Gudynas, Cartas em Ecología Política, No 7.
2. Global Peace Index 2022. Institute for Economics & Peace, Sidney.
3. Pesquisa nacional da Comunicaliza, de 12 agosto 2023, feita com 3.641 pessoas, Quito.
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Equador. Violência e petróleo. Artigo de Eduardo Gudynas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU